André Carneiro é atibaiano, como prefere, ao invés de atibaiense. Pertenceu ao movimento literário batizado de Geração de 1945. Navegou por todas as artes, antecipando em quase meio século a ideia de interdisciplinaridade. Leu mais de 4.000 livros, inclusive em francês e inglês. Escreveu e desenvolveu temas em 360 graus. É conhecido e reconhecido no exterior. Dedicou uma boa parte de sua vida à ficção científica. As personagens criadas por André Carneiro usavam celulares com naturalidade, quando a humanidade mal conhecia a televisão.
Gilberto Sant'Anna.
AJ- Existem diferenças entre o André Carneiro integrante da geração de literatos de 1.945 e o André Carneiro de hoje?
ANDRÉ CARNEIRO- Todo autor costuma declarar que mudou. Se isso aconteceu comigo não percebi. Entendo que do ponto de vista cultural não sofri transformações significativas. Entretanto, do ponto de vista da vivência literária, é claro, não posso negar que as questões políticas e as agruras da 2ª Grande Guerra e o movimento militar de 1.964, época em que fui perseguido, obrigatoriamente, trouxe dificuldades pessoais e editoriais.
É claro que depois de ler 4.000 livros ninguém consegue não passar incólume.
AJ- O André Carneiro cineasta, pintor, fotográfo, contista, poeta, enfim das sete artes. Qual a atividade que você melhor desempenhou e com a qual mais se identificou?
ANDRÉ CARNEIRO- Na verdade, todos os trabalhos que realizei simultaneamente, fiz a passagem de um para o outro naturalmente. Quando dirigia um filme, só pensava naquilo. Quando escrevia um poema, só pensava nisso. Não perdia o foco.
Sempre gostei muito de escrever poesias e o fiz com qualidade, porém, tive maior sucesso como contista, no campo da ficção científica e da prosa. Fui reconhecido no estrangeiro com sucesso de crítica. A.E Van Vogt comparou-me a a Frans Kafka e Albert Camus. Elizabeth Ginnway , conhecida por Libby, comparou-me nada mais, nada menos a Ray Bradburey . A crítica brasileira não torce pelos autores brasileiros. Não é o caso, por exemplo da Argentina. Os autores nacionais são festejados. Talvez porque a média de livros lidos pelos argentinos é infinitamente maior que dos brasileiros.
AJ-Os teóricos da literatura, da poesia, do teatro ditam regras técnicas para a composição de cada gênero literário, incluídas a poesia e o teatro. O escritor deve observá-las rigorosamente?
ANDRÉ CARNEIRO-A observância das formalidades na construção literária não é tão importante assim. Máxime no Brasil onde pouco se lê. É bom ler os autores mais importantes, mas isso não é próprio para o Brasil. O jovem precisa, pode e deve ler qualquer coisa. O importante é que leia. Leia mesmo. Almanaques e gibis. Ler aquilo que realmente gosta. Aos poucos vão selecionando melhor. Eu tenho consciência que meu texto não é de fácil leitura. O meu livro Confissões do Inexplicável (quem sabe livro que reúna a maior quantidade de contos no Brasil) é muito difícil.O jeito certo de escrever não funciona no Brasil. Deve-se fazer aquilo que dá pra fazer.
AJ- O que você pensa sobre os microcontos?
ANDRÉ CARNEIRO- Não tem futuro. Se permanecer na literatura será apenas como referência de uma curiosidade. A palavra não tem a velocidade da imagem. Exemplo: o cinema ou a foto pode, de imediato, expressar uma mãe com o filho nos braços. Basta mostrar uma mulher carregando uma criança. O conto precisa explicar a ideia. Deve ter o espaço compatível ao que o texto, claramente, pretenda transmitir. A limitação do tamanho prejudica a criação do conto e, em nada, valoriza o gênero.
AJ - A linguagem do Twitter pode influenciar a manifestação literária?
ANDRÉ CARNEIRO- Muito pouco. A reprodução do pensamento se transforma numa linguagem. Impossível reduzir uma grande obra a poucas palavras. Corre-se o risco de se mutilar a literatura. A palavra chave é essa: continuidade. Qual a diferença entre um clipe e um filme? O filme contém emoções. Numa das minhas incursões pelo cinema, o casal do meu filme revela que vive mal, através das reações de um diante do outro. No clipe isso não é possível. É verdade que os autores se deparam com a contingência artificial dos preços por centímetro quadrado, cada vez maior, das publicações. Mas, é difícil fazer um bom trabalho literário em poucas palavras. Isso impõe limitações ao autor. O conflito e as emoções são essenciais no ser humano. Não é possível a existência de um circo de acrobatas, sem braços ou pernas.
Quem quiser fazer carreira em literatura no twitter perde tempo. Tudo que é ruim com o tempo vira anedota.
AJ -O que acha do poeta Manoel de Barros?
ANDRÉ CARNEIRO– Bom poeta. Silvestre.
AJ – Qual tem sido a contribuição da crítica literária brasileira na contemporaneidade?
ANDRÉ CARNEIRO – A crítica deveria ser muito importante na evolução e aperfeiçoamento da literatura. Porém, pelo menos no Brasil, encontra-se em decadência desde a segunda metade do século XX. Razões?A pesquisa é rara e o ensino de literatura deficitário. No passado havia bons críticos, como Tristão de Ataíde, Sérgio Milliet e Agripino Grieco, com qualidade e entendimento filosófico. Já não há ninguém com o mesmo nível. Em consequência a literatura perde a orientação em relação aos estudantes e amantes da mesma. Perde-se em eficiência na escolha dos autores.
Hoje a crítica improvisa, não se arrisca, não tem coragem em razão da decadência. Não há nenhum grande jornal que transforme a opinião do crítico em opinião do próprio jornal.
Escrevi uma crítica sobre a poeta Lupe Cotrin Garaude. Analisei suas poesias. Passados 30 anos reli esse meu trabalho e gostei muito. A época era outra.
Exigia qualidade aos críticos.
AJ – Qual a personagem melhor construída no romance brasileiro?
ANDRÉ CARNEIRO – É muito difícil de responder. Não há como fazer destaques. É como escolher o melhor jogador brasileiro. Há tantos, em épocas diferentes, todos incomparáveis. A resposta à pergunta em si exigiria, no mínimo, uma pesquisa bem elaborada. Porquanto, não quero e não posso destacar nenhuma personagem. Entretanto, as personagens
Macunaíma (Mário de Andrade) e A cachorra Baleia (Graciliano Ramos), me agradam.
No conto “ Mapa da Estrada “, que faz parte do livro “Confissões do Inexplicável” , criei uma personagem muito interessante. A Clectcz tinha duas línguas e, quando cantava conseguia fazer duas vozes, com uma tonalidade especialíssima.
AJ -Um conselho aos jovens escritores?
ANDRÉ CARNEIRO- A base da literatura é a cultura que se adquire lendo. Leia muito, de preferência o que há de melhor . Deve participar de concursos literários, meter a cara. Não existe o jeito errado de escrever.
Entrevista concedida aos escritores Gilberto Sant'Anna e Nélson de Souza .
André Carneiro alcançou as sete artes pela via da sensibilidade, um olhar inquieto diante do mundo .Todo seu trabalho reflete sua expansão consciencial. Uma verve eclética rompendo com a antivisão das especializações.
Assim, como Paulo Leminski, o poeta nos mostra a arte como avesso dos utilitarismos, desarmando tolos racíocinios, repartindo com os leitores suas "confissões inexplicáveis".
Abraços,
Juliana Gobbe.
Dica de leitura: Confissões do inexplicável
Autor: André Carneiro
Editora: Devir