Luciano Tasso nasceu em 1974 na cidade de Ribeirão Preto, interior paulista. Formou-se em Comunicação Social pela Escola de Comunicação e Artes da USP e trabalhou durante nove anos como diretor de arte para agências de publicidade em São Paulo e no exterior. Desde 2007 atua como ilustrador para livros, revistas e Histórias em Quadrinhos. Em 2008 venceu o Salão Internacional de Desenho para a Imprensa de Porto Alegre na categoria ilustração editorial. Já ilustrou várias obras, dentre elas: “Os 12 Trabalhos de Hércules”, “Artes do Caipora em Cordel” e “A Saga de Beowulf” escritos por Marco Haurélio; “Como Sou” do autor Thiago de Mello; “O que é Cultura Popular” de Moreira de Acopiara e “Lua Estrela Baião” de Assis Ângelo. (Informações fornecidas pelo autor)
Foto: Clarice P. Chieppe
ECL- Bertold Brecht- Como se deu sua aproximação com a arte de ilustrar?
LUCIANO TASSO - Desenhar sempre foi minha brincadeira preferida. Desde criança dedicava horas do dia tentando reproduzir os personagens que assistia na televisão. Na adolescência, entre as caricaturas dos professores e dos amigos da classe, sonhava com o estereótipo do artista que se embrenhava na vida, sofria pela sua criação; num mundo glamoroso e boêmio... Nem de longe passava pela minha cabeça que isso pudesse se transformar, algum dia, em profissão: arte não punha feijão na panela!
Foi mais tarde, quando tive oportunidade de escolher uma boa faculdade que optei por me graduar em publicidade. Não sabia direito o que se fazia nessa área de atuação, mas imaginava que a função de "diretor de arte" tivesse algo relacionado à ilustração. Foi um engano. Na prática, esse cargo é responsável pela parte visual da comunicação; seu exercício treina o olhar para a estética visual, dá noções de equilíbrio e composição, mas é bem diferente de uma abordagem artística.
Comecei, então, a realizar algumas tentativas de ilustrar para a publicidade. Com o surgimento da internet as chances aumentaram, pois era mais prático resolver a comunicação usando ilustrações. Neste período, também aprendi a trabalhar com animação de personagens e vinhetas, o que me garantiu posteriormente a participação na produção de um longa-metragem infantil.
Graças a um amigo meu de infância, o Daniel Bueno, que se tornou um grande ilustrador de livros, pude perceber que trabalhar para o mercado editorial dava maior liberdade artística. Decidi, então, investir nessa área e tive a oportunidade de dividir o estúdio com o Maurício Negro, um grande profissional com quem aprendi muito a ilustração e o mercado de livros.
Não foi fácil, mas aos poucos consegui fazer um portfólio com alguns livros e vários projetos pessoais. Contei com a ajuda da Dulce Seabra, da editora Global para fazer uma apresentação do meu trabalho na editora Cortez e fui muito bem recebido pelo Amir Piedade, que gostou do meu trabalho. A partir de então, consegui manter uma produção contínua e hoje, posso dizer que minha brincadeira preferida, desde a infância é que garante o feijão na mesa.
ECL- Bertold Brecht - Muitas das suas ilustrações estão em obras que abarcam a cultura popular no Brasil. Como você avalia a inserção desses trabalhos no atual "mercado" editorial brasileiro?
LUCIANO TASSO - O mercado literário brasileiro, ainda é muito insipiente. Observo o crescimento de atividades que buscam valorizar nossa cultura escrita, como feiras literárias, ações do governo e das associações para representar o Brasil no exterior, autores contemporãneos e consagrados que ganham traduções em diversos países além de produções independentes, como vemos acontecer com a poesia de Cordel, mas isso ainda está longe de configurar um panorama favorável. O grande peso dessa relação ainda está na questão econômica e na educação. Temos pouco incentivo à leitura no ensino de base e isso prejudica a formação de um público leitor. Por outro lado, o livro ainda é um objeto caro, o que faz com que as editoras privilegiem publicações focadas na certeza da venda, com autores conhecidos ou best-sellers que chegam do exterior com todo o arsenal de marketing para sua venda.
Esse estrangulamento mercadológico dificulta a aposta na diversificação dos temas.
Por outro lado, temos um material farto de nossa história que está sendo resgatado, seja por incentivos do governo, pesquisas, associações, gente que realmente se importa com a nossa cultura. Falta maior interesse em fazer com que os eucadores e o mercado consigam achar uma forma de reutilizar e divulgar esses conhecimentos.
Algumas editoras estão empenhadas nesse direcionamento. É o caso da Global, onde tive a primeira oportunidade de ilustrar poemas relacionados à cultura popular no livro "Meus Romances de Cordel" de Marco Haurélio. São iniciativas valorosas, pois acredito que a aproximação com a nossa realidade traz subsídios para compreender nossa história e a consequência disso é seguramente uma vida melhor.
De tempos em tempos, presencio o fenômeno de ver muitas pessoas lendo títulos estrangeiros - os chamados "sucesso de vendas" - seja nos ônibus ou nos metrôs de São Paulo, o que mostra a miopia de muitas editoras e donos de livrarias que afirmam que brasileiro não lê. Talvez seja o caso de divulgar, com a mesma força, romances nacionais e da cultura popular que tenho certeza, são muito mais coloridos!
ECL Bertold Brecht - O livro Como Sou do poeta amazonense Thiago de Mello reúne poemas especialmente para o público jovem. Conte nos sobre o processo de ilustração dessa obra.
LUCIANO TASSO - Ilustrar poesia é sempre uma tarefa difícil, pelo menos para mim. Em todos os projetos, eu procuro entender o universo do autor naquele referido texto e busco refleti-lo nas ilustrações, mantendo sempre o cuidado para simplesmente não "traduzir" o que está escrito.
Já ouvi algumas pessoas do meio se apropriarem do termo intertextualidade, para definir o recurso de criar uma narrativa paralela ao texto fazendo uso de imagens. É um pouco isso que tento fazer. No caso do livro "Como Sou", que não tinha uma narrativa contínua, acabei sintetizando os capítulos em ilustrações. Tive como inspiração um fio condutor: a água, o rio, a chuva. O resultado foi que cada arte acabou sendo um poema visual composto por elementos colhidos do texto.
ECL - Bertold Brecht - O artista maltês Joe Sacco teve grande reconhecimento por seu trabalho que engloba história em quadrinhos e jornalismo retratando principalmente a situação do povo palestino. Existe hoje uma preocupação em retratar a realidade por meio da ilustração?
LUCIANO TASSO - A ilustração, como forma de expressão artística, sempre foi preocupada em retratar alguma realidade, seja ela pessoal ou coletiva. o que Joe Sacco fez, através de seu olhar jornalístico, foi dar voz a um drama vivido por um povo que simplesmente é ignorada pela grande mídia e, de forma esplêndida utilizou a linguagem dos quadrinhos para humanizar e aproximar sua mensagem para diferentes tipos de leitores.
Mas esse tipo de abordagem é rara. O que vejo muito hoje, na maioria dos casos, é a retratação de uma realidade concernente com o tempo que vivemos, ou seja, uma realidade difusa, intangível, onde as preocupações locais se confundem com as globais. É uma fase artística que eu brinco com os amigos chamando de cyber - barroco : uma mistura de diversas influências em composições extremamente elaboradas que têm uma cara ao mesmo tempo desterritorializada, mas com estilos muitos pessoais.
Como todas as fases artísticas, essa também será transitória, no entanto, ela influencia fortemente não só a ilustração, mas todo tipo de manifestação visual. O caso mais evidente é o grafite - quando vejo as pinturas de personagens amarelados e subnutridos, excesso de caveiras, ou tribais neo-alguma-coisa, construo um imaginário de arte totalmente desvinculado de qualquer relação política mais aprofundada. Não sei se há empenho em se politizar ou retratar a realidade do seu entorno, mas também não acho que isso seja obrigatório. Cada um usa a voz e os recursos que tem para se expressar artisticamente. Sinto apenas um certo desânimo por existirem poucos trabalhos como os do Joe Sacco.
Luciano Tasso nos presenteou com uma caricatura de Bertold Brecht:
Abraços,
Juliana Gobbe