O baiano Antonio Barreto é considerado atualmente um dos
maiores nomes do cordel no Brasil. Preocupado com as causas de seu tempo, o
autor não poupa críticas aos políticos brasileiros , bem como, artistas e
programas da grande mídia. O cordel Big Brother Brasil: um programa
imbecil teve grande
repercussão no país. Em entrevista ao ECL Bertold Brecht o cordelista nos contou sobre seus projetos.
Arquivo pessoal de Antonio Barreto
ECL- De que forma, projetos, tais como:
“Leituras públicas” podem contribuir para a aproximação dos leitores ao
universo do cordel?
ANTONIO BARRETO - Pois é, a tarefa de formar leitores não é só
responsabilidade da escola, mas de todos nós: família, mídia, poetas,
formadores de opinião em geral. E Leituras Públicas, aqui em Salvador, é um
projeto da Fundação Pedro Calmon, cujo objetivo é estimular a difusão do livro,
o gosto pela leitura e o incentivo à produção cultural. São encontros mensais
com autores locais em que se promove o diálogo do leitor com texto. Eu fui um
dos convidados este ano (2013) e ali tive a oportunidade de mostrar um pouco de
minha produção com o lançamento de uma coletânea que reúne 11 folhetos de
cordel, intitulada “Big Brother Brasil: um programa imbecil e outros cordéis”, que faz parte de um outro projeto da
Fundação Pedro Calmon.
ECL-O
cordel Big Brother Brasil: um programa imbecil espalhou-se
rapidamente por todo o país. Conte-nos como foi o processo de criação daquilo
que ficou conhecido como uma valiosa crítica ao entretenimento da grande mídia?
ANTONIO BARRETO - O processo de criação do cordel do BBB se deu
de uma forma curiosa! Eu estava num barzinho com amigos poetas dialogando sobre
os rumos da poesia aqui em nossa terra. De repente, uma voz do “além” tocou a
minha consciência dizendo: “Big brother Brasil – Um programa imbecil”
! De pronto fiz a anotação do título do
referido cordel em um guardanapo, mas a construção do texto só veio a acontecer
depois de alguns meses. Após a conclusão, enviei o texto para um casal amigo em
BH (Paulo e Nívea) e eles divulgaram na Internet. A partir daí foi um sucesso
que não teve fim. Até hoje recebo congratulações de um mundaréu de pessoas de
todos os recantos do planeta azul !
ECL-Em tempos em que “a arte pela arte”
domina os meios de comunicação numa profusão ilimitada de espetacularização.
Como você avalia o papel do artista popular?
ANTONIO BARRETO - A verdadeira arte precisa estar engajada com
o social. E o papel do artista popular é estar presente em todos os espaços da
mídia, mas visando sempre uma contribuição maior para embelezar a vida. No caso
do cordelista, o ideal seria uma criação artística visando a formação de um
leitor crítico que seja capaz de interagir habilmente no seio da sociedade. Não
vale a pena escrever cordel por escrever, por curiosidade; o verdadeiro cordelista precisa se empenhar
bastante, ter persistência e dialogar com o seu leitor, tendo a consciência de que a nossa produção deve estar seriamente
relacionada com o contexto social, cultural, político e econômico do qual estamos
inseridos. De modo que fico entristecido ao ver tanta banalização da arte no
momento atual.
ECL-Como os professores do Brasil podem usar
o cordel como um “instrumento pedagógico”?
ANTONIO BARRETO - Da mesma forma que utilizamos outros gêneros
textuais, a exemplo do conto, crônica, poesia, romance, letra de música etc. O
ideal seria o MEC estabelecer uma lei que oficializasse o ensino do cordel na
grade curricular do ensino médio e fundamental. E não é fácil aproximar o aluno
do livro, já que os instrumentos tecnológicos atuais são extremamente
sedutores. A literatura de cordel indiscutivelmente é um gênero textual muito
significativo, sedutor, carregado de ludicidade, que tem o poder de desenvolver
nos alunos o senso crítico, o gosto pela leitura, o raciocínio lógico. Aqui em
Salvador e em todo o estado da Bahia as escolas, tanto particulares quanto
públicas, seguem empenhadas na utilização do cordel como um instrumento
pedagógico capaz de nos auxiliar no processo de ensino aprendizagem. Eu, por
exemplo, venho há 10 anos realizando oficinas de cordel em todo o estado,
experiência esta carregada de êxito.
ECL- Quais são os próximos projetos do
artista Antonio Barreto?
ANTONIO BARRETO - Olha, Juliana, tenho um mundo todo de
projetos, mas no momento estou podendo falar
apenas de dois! O primeiro vai acontecer
em 2014, que é a publicação de um livro em que reunirei 21 cordéis de minha
autoria relacionados à educação, ou seja, cordéis que foram feitos a partir da
experiência prática com os meus alunos. O segundo é para 2015, que é uma
abordagem sobre os períodos literários ocorridos no Brasil. Inclusive já tenho
prontos: “Aula de Quinhentismo em
cordel”, “Aula de Barroco em cordel” e “Aula de Arcadismo em cordel” - esses
dois últimos serão lançados agora em novembro, na Bienal 2013, aqui em Salvador. No mais
seguirei fazendo minhas oficinas de cordel, palestras e recitais. Ah sim,
acabei de fazer um cordel esta semana ,mas estou com receio de publicar ! O
título é “A Fazenda da Record – um
programa de dar dó.” Quer dizer, eu ando meio receoso com relação a essa
crítica social que venho fazendo através do cordel. O fato é que tanto o cordel
do Pedro Bial quanto o de Caetano Veloso me deram muita dor de cabeça! Agora
sinto uma necessidade enorme de fazer silêncio e seguir com a minha produção
voltada para a educação, ecologia e cultura popular. A Bahia continua
conservadora, talvez o Brasil por inteiro. Veja que os poetas Gregório de Matos
e Cuíca de Santo Amaro foram condenados pela sociedade por terem a verve
crítica. Dizem muito por aí que é proibido proibir – mas tenho dúvidas disso! Ainda
bem que não sou famoso e ninguém vai se preocupar em me biografar ! Passei a
praticar meditação e começo a descobrir o quanto somos limitados, idiotas e
pequenos diante desse universo complexo chamado vida humana...
Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.
Há muito tempo não vejo
Um programa tão "fuleiro"
Produzido pela rede Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.
Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, "zé-ninguém"
Um escravo da ilusão.
- Deitadinho numa rede
Como um bom samaritano
O Renan vai criar boi
No sertão alagoano
E doar filé mignon
Porque é um cabra humano!
-Ficha suja no Brasil
Não paga pelo que fez...
A justiça silencia,
O cabra faz outra vez...
Mas o pobre logo é preso
Roubando um pinto pedrês!
- A vitória do Renan
Me deixou desnorteado...
Todo o "acerto" em Brasília
Foi deveras camuflado:
Uma eleição secreta
Pra eleger um condenado!
Como um bom samaritano
O Renan vai criar boi
No sertão alagoano
E doar filé mignon
Porque é um cabra humano!
-Ficha suja no Brasil
Não paga pelo que fez...
A justiça silencia,
O cabra faz outra vez...
Mas o pobre logo é preso
Roubando um pinto pedrês!
- A vitória do Renan
Me deixou desnorteado...
Todo o "acerto" em Brasília
Foi deveras camuflado:
Uma eleição secreta
Pra eleger um condenado!
Alguns trabalhos de Antonio Barreto estão em:
http://barretocordel.wordpress.com/
Abraços,
Juliana Gobbe
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