quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Velho Graça por Dênis de Moraes.


O escritor russo Máximo Górki afirmou certa vez que a única coisa que transcende a existência do ser humano é a sua obra. Frase que valida a trajetória do brasileiro Graciliano Ramos. Em comum entre os dois autores temos a incompreensão por parte de muitos críticos, a existência tumultuada e dois livros autobiográficos que carregam o mesmo título: Infância.
Mas, o fato de maior importância que se alinha nos desvãos da história é que tanto em um como em outro, além do inquestionável talento, temos a luta que se trava pelo reverso daquilo que nos foi estabelecido.
Longe das amarras de um ufanismo desarrazoado é urgente reencontrar em Graciliano um Brasil que a cultura de massa insiste em jogar fora.
Nesses tempos de palavras mornas, fomentadas pela aclamação fácil e excessivamente mercadológica, Dênis de Moraes nos presenteia com a reedição da biografia: O velho Graça. Um momento de leitura substancial para os admiradores de um escritor singular na história da literatura brasileira.
Confiram a entrevista que Dênis de Moraes, considerado o melhor biógrafo de Graciliano Ramos, concedeu ao Espaço de Criação Literária Bertold Brecht.

                                                     Arquivo pessoal: Dênis de Moraes
 





ECL-Quais livros formaram o leitor Dênis de Moraes?

DÊNIS DE MORAES - Sou filho de um grande professor de literatura brasileira e portuguesa. Foi ele o meu mestre na formação do gosto literário e na paixão pela literatura como possibilidade de expressão e tradução da condição humana. E não é casual o fato de meus autores fundamentais serem compartilhados com meu saudoso pai. Graciliano Ramos (Vidas secasSão BernardoMemórias do cárcere), Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e Clarice Lispector. 


ECL- Conte-nos sobre sua motivação em reeditar “ O velho Graça” vinte anos após a 1ª edição?

DÊNIS DE MORAES- O livro estava esgotado há vários anos, e considerei que os 120 anos de nascimento de Graciliano, completados em 27/10/2012, constituíam uma ocasião propícia para relançá-lo. Chamo a atenção para o fato de que introduzi acréscimos no texto original. Dois deles me parecem significativos. Consegui localizar e destacar as principais questões abordadas nas cinco entrevistas expressivas que Graciliano concedeu ao longo da vida. Ele era esquivo e costumava driblar o assédio de repórteres dizendo que não tinha nada de útil a dizer... Os jornalistas Francisco de Assis Barbosa, Homero Senna, Newton Rodrigues, João Condé e Joel Silveira, durante a década de 1940, conseguiram a proeza de dobrá-lo e obtiveram declarações interessantes sobre o seu processo de criação (reescrevia obsessivamente os textos e cortava o que chamava de “gorduras”, com uma régua guiando seu lápis implacável); o papel do escritor na sociedade (ressaltava que a literatura deve preservar sua autonomia frente à política, sem deixar de refleti-la); e suas preferências literárias. Outro acréscimo relevante foi a carta que Graciliano chegou a redigir e jamais enviou ao então presidente Getúlio Vargas, em 1938. Um desabafo sobre as dificuldades enfrentadas durante e depois do período da prisão (entre 3 de março de 1936 e 10 de janeiro de 1937). A carta, de uma lauda, era respeitosa, ainda que com algumas ironias, como, por exemplo, ao qualificar Vargas como “meu colega de profissão”, numa alusão ao ingresso do ditador na Academia Brasileira de Letras com apenas um livro de discursos.... É evidente que elegeu Vargas como destinatário numa tentativa de questionar o chefe do regime que o encarcerara sem processo ou culpa formada.
                                                

                                                                           Arquivo pessoal: Dênis de Moraes


ECL- No prefácio à 1ª edição de “O velho Graça”, Carlos Nélson Coutinho nos brinda com o seguinte excerto: “Vemos, por exemplo, como não bastou a Graciliano, para se tornar um excepcional escritor, a profunda e empática vivência com os problemas da sua região, do seu povo”. Qual é o legado que o escritor alagoano deixou ao Brasil?

DÊNIS DE MORAES- Poucos escritores de sua geração demonstraram tanto compromisso com o homem brasileiro como Graciliano. Ele fez de sua criação literária um instrumento de interpretação e reintervenção na realidade social e política do país, sempre com um olhar de compaixão para com os excluídos e os que sofrem com as explorações de qualquer natureza. Sua obra sempre se pôs ao lado do povo nordestino, buscando retratar seus problemas, carências, conflitos e anseios. Qual escritor foi capaz de recriar esteticamente o drama da seca, com tamanha verossimilhança e tanto sentimento de partilha e solidariedade, quanto o Graciliano de Vidas secas?  Por merecimento, é hoje um clássico universal. Isso se deve a seu compromisso inabalável com a condição humana. Sua obra, como poucas, reflete solidariedade e sensibilidade para com as aspirações, as vicissitudes e as expectativas dos homens na passagem pela Terra. Foi um dos escritores que demonstraram maior empenho em compreender as variações e as manifestações contraditórias e belas da alma humana. Está acima dos tempos históricos; comunica-se com todos os tempos, todos os contextos e todas as situações que envolvem o indivíduo e a coletividade em seus embates com as circunstâncias da vida.

ECL- Os literatos hoje perseguem em sua maioria, características técnicas se apropriando muitas vezes de um discurso puramente estético. Como você avalia o atual momento literário no nosso país?

DÊNIS DE MORAES- Vou responder à pergunta tentando imaginar o que Graciliano Ramos diria. Talvez dissesse que está na hora de reviver o realismo crítico, mais compromissado socialmente e capaz de se sensibilizar pelo destino do homem brasileiro, com suas aspirações, sofrimentos, inquietações e experiências. Com as exceções que merecem respeito e consideração, a literatura atual está comportada e resignada demais. Graciliano repetiria que é preciso torná-la mais instigante e crítica, porque, como ele ressaltava, “a arma do escritor é o lápis”.

ECL- Em 1.927, Graciliano foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios. Sabe-se também da inserção do autor no PCB. Até que ponto a veia política influenciou a produção literária?

DÊNIS DE MORAES-  De um lado, Graciliano sustentava que a literatura não pode ser reduzia à ideologia, pois a especificidade do trabalho criativo se sobrepõe às exigências políticas imediatas e aos fervores revolucionários. De outro lado, a política sempre o atraiu muito, desde o noticiário sobre a Revolução Russa de 1917, da qual se inteirou pela assinatura de jornais do Rio que chegavam de trem, com enorme atraso, a Palmeira dos Índios. Autodidata em idiomas desde a adolescência, ele conseguia ler textos de Marx e Lenin em francês, através  de encomendas pelo reembolso postal a livrarias cariocas que importavam títulos estrangeiros. Embora ainda não fosse comunista, logo se aproximou de ideias libertárias. A paixão política o fez aceitar a candidatura a prefeito de Palmeira dos Índios, depois de receber apelos de muitos frequentadores da sua loja de tecidos, que o viam como uma reserva moral e de honradez na cidade, e também em resposta aos boatos de que relutava disputar a Prefeitura com medo de perder. A sua administração ainda hoje é considerada uma referência de administração séria, honesta e  empreendedora. Combateu privilégios, acabou com a corrupção e o endividamento público, priorizou obras nos bairros pobres e na periferia, reformou escolas públicas, fez cumprir o Código de Posturas para frear a desordem urbana que imperava na cidade. E não nos esqueçamos que, de 1945 até a sua passagem, em 20/3/1953, foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Graciliano acreditava firmemente que o socialismo era o caminho para a justiça e a emancipação sociais. Sua militância se caracterizou por extrema lealdade à causa socialista e ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), no qual ingressou em 18 de agosto de 1945, a convite do então secretário-geral, Luiz Carlos Pretes. Mas é importante insistir que Graciliano não admitia a tutela ideológica sobre a criação literária. Ele entendia, lucidamente, que, por mais solidários que sejam às causas populares, escritores e artistas não podem sufocar suas inquietações, nem se conformar que o partidarismo lhes indique as ferramentas do ofício.

ECL- Discorra sobre “a dor e a delícia” de ser um dos grandes biógrafos de Graciliano no Brasil?

DÊNIS DE MORAES- Dor nenhuma, a não ser a dor que eu, Graciliano e todos os que lutamos por uma sociedade justa e igualitária sentimos diante de um mundo tão injusto e, como bem acentuava o mestre Milton Santos, perverso. Delícias múltiplas, como desvendar segredos e mistérios, saber mais do que está no livro, ter conhecido Heloísa de Medeiros Ramos (grande mulher e viúva do romancista) e me aconselhar com Graciliano sempre que tenho dúvidas e preciso que me digam que não posso transigir no que é essencial.




O Velho Graça
Autor: Dênis de Moraes
Boitempo Editorial




Abraços,
Juliana Gobbe

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