segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

ANDRÉ CARNEIRO: A LITERATURA DOS SETE INSTRUMENTOS.

André Carneiro é atibaiano, como prefere,  ao invés de  atibaiense. Pertenceu ao movimento literário batizado de  Geração de 1945. Navegou por todas as artes, antecipando em  quase  meio século a ideia de interdisciplinaridade.  Leu mais de 4.000 livros, inclusive em francês e inglês. Escreveu e desenvolveu temas em 360 graus. É  conhecido  e reconhecido no exterior. Dedicou uma boa  parte de sua vida à ficção científica. As personagens criadas por André Carneiro usavam celulares com naturalidade, quando a humanidade mal conhecia a televisão.
Gilberto Sant'Anna.


AJ-   Existem diferenças entre o André Carneiro  integrante da geração de literatos de 1.945 e o André Carneiro de hoje?
      
ANDRÉ CARNEIRO- Todo  autor   costuma  declarar que mudou. Se isso aconteceu comigo  não percebi. Entendo que  do ponto de vista cultural  não sofri transformações  significativas. Entretanto,  do ponto de vista da  vivência   literária,  é claro,  não posso negar que as  questões políticas  e as agruras da 2ª Grande Guerra e o  movimento militar  de 1.964,  época em que fui perseguido,  obrigatoriamente,  trouxe  dificuldades pessoais e editoriais.   
 É claro que  depois de ler 4.000 livros ninguém consegue  não  passar incólume. 


AJ- O André Carneiro cineasta, pintor,  fotográfo, contista, poeta,  enfim das sete artes. Qual a atividade  que você melhor desempenhou  e com a qual mais se identificou?

 ANDRÉ CARNEIRO- Na verdade, todos os trabalhos que realizei  simultaneamente, fiz a passagem de um para o outro  naturalmente. Quando dirigia um filme, só pensava naquilo. Quando escrevia um poema, só pensava nisso.  Não perdia o foco.
 Sempre gostei muito de escrever poesias e o fiz com qualidade, porém, tive  maior sucesso   como contista,  no campo da ficção científica e da prosa. Fui reconhecido no estrangeiro com sucesso de crítica. A.E Van Vogt  comparou-me a a Frans Kafka e Albert Camus. Elizabeth Ginnway , conhecida por Libby, comparou-me nada mais, nada menos a Ray Bradburey . A crítica brasileira   não torce pelos autores brasileiros. Não é o caso, por exemplo da Argentina. Os autores nacionais são festejados. Talvez porque  a média de livros lidos pelos argentinos é infinitamente maior que  dos brasileiros.

 AJ-Os teóricos  da literatura, da poesia, do teatro  ditam regras  técnicas para a composição de cada gênero literário, incluídas a poesia e o teatro. O escritor deve  observá-las  rigorosamente?

ANDRÉ CARNEIRO-A observância das formalidades na construção literária não  é tão importante assim. Máxime no Brasil onde pouco se lê.  É bom ler os autores mais importantes,  mas isso não  é  próprio para o Brasil.  O jovem precisa, pode e deve ler qualquer coisa. O importante é que leia. Leia mesmo. Almanaques e gibis.  Ler aquilo que realmente gosta. Aos poucos vão selecionando melhor. Eu tenho consciência  que  meu texto não é de fácil leitura. O meu livro Confissões do Inexplicável (quem sabe  livro que reúna a maior quantidade de contos  no Brasil) é muito difícil.O jeito certo de escrever não funciona no Brasil. Deve-se fazer aquilo que dá pra fazer. 

AJ- O que você pensa sobre os microcontos?

ANDRÉ CARNEIRO- Não tem futuro. Se permanecer na literatura será apenas como referência de uma curiosidade. A palavra não tem a velocidade da imagem. Exemplo: o cinema ou a foto pode, de imediato, expressar uma mãe com o filho nos braços.  Basta mostrar uma mulher carregando uma criança. O conto precisa explicar a  ideia. Deve ter o espaço compatível ao que o texto, claramente, pretenda transmitir. A limitação do tamanho prejudica a criação do conto e, em nada, valoriza o gênero.

AJ -  A linguagem do Twitter  pode influenciar   a manifestação literária?

ANDRÉ CARNEIRO- Muito pouco. A reprodução do pensamento se transforma numa linguagem. Impossível reduzir uma grande obra a poucas palavras. Corre-se o risco  de se  mutilar a literatura. A palavra  chave é essa: continuidade. Qual a diferença entre um clipe e um filme?  O filme contém  emoções.  Numa das minhas incursões pelo cinema,   o casal  do meu filme    revela   que vive mal,    através das  reações  de um diante do outro. No clipe  isso não  é possível. É verdade que  os autores se  deparam  com a contingência artificial dos preços por centímetro quadrado, cada vez maior, das publicações. Mas, é difícil   fazer um bom trabalho  literário em poucas palavras. Isso impõe   limitações ao autor. O conflito e  as emoções são essenciais no ser humano. Não é possível a existência de um circo de acrobatas,  sem   braços ou pernas.    
Quem quiser fazer carreira  em literatura no twitter perde tempo. Tudo que é ruim com o tempo vira anedota. 

AJ -O que acha do  poeta Manoel de Barros?

ANDRÉ CARNEIRO– Bom poeta. Silvestre.

AJ – Qual tem sido a contribuição da crítica literária brasileira na contemporaneidade?

ANDRÉ CARNEIRO – A crítica  deveria ser  muito  importante na evolução e aperfeiçoamento  da literatura. Porém, pelo menos no Brasil, encontra-se em decadência desde  a segunda metade do século XX. Razões?A pesquisa é rara e o ensino de literatura deficitário. No passado havia bons críticos, como Tristão de Ataíde, Sérgio Milliet e Agripino Grieco,  com qualidade e entendimento filosófico. Já não há ninguém com  o mesmo nível.  Em consequência a literatura perde a orientação em relação aos estudantes e amantes da mesma. Perde-se em eficiência  na escolha dos autores.
Hoje a crítica improvisa, não se arrisca, não tem coragem em razão da decadência. Não há nenhum grande jornal  que   transforme a opinião do crítico em opinião do próprio jornal.
 Escrevi uma crítica sobre a poeta Lupe Cotrin Garaude.  Analisei suas poesias. Passados 30  anos reli esse meu trabalho e gostei muito. A época era outra.    
Exigia  qualidade aos  críticos.


AJ – Qual a personagem melhor construída no romance brasileiro?

ANDRÉ CARNEIRO – É muito difícil de responder. Não há como fazer destaques.  É como escolher   o melhor jogador brasileiro.  Há tantos, em épocas diferentes, todos incomparáveis.  A resposta à pergunta  em si  exigiria, no mínimo,  uma  pesquisa bem elaborada. Porquanto, não  quero e não posso destacar nenhuma personagem.  Entretanto, as  personagens
 Macunaíma (Mário de Andrade) e A cachorra Baleia (Graciliano Ramos), me agradam.
 No conto “ Mapa da Estrada “,  que faz parte do livro “Confissões do Inexplicável” , criei uma personagem muito interessante. A Clectcz tinha duas línguas  e, quando cantava  conseguia fazer duas vozes, com uma tonalidade especialíssima.

AJ -Um conselho aos jovens  escritores?

 ANDRÉ CARNEIRO- A base  da  literatura é a cultura que se adquire lendo. Leia  muito, de preferência  o que há de melhor . Deve participar de concursos literários, meter a cara. Não existe o jeito errado de escrever. 

Entrevista concedida aos escritores Gilberto Sant'Anna e Nélson de Souza .  

André Carneiro alcançou as sete artes pela via da sensibilidade, um olhar inquieto diante do mundo .Todo seu trabalho reflete sua expansão consciencial. Uma verve eclética rompendo com a antivisão das especializações.
Assim, como Paulo Leminski, o poeta  nos mostra a arte como avesso dos utilitarismos, desarmando tolos racíocinios, repartindo com os leitores suas "confissões inexplicáveis".

Abraços,

Juliana Gobbe.

Dica de leitura: Confissões do inexplicável
Autor: André Carneiro
Editora: Devir




domingo, 16 de janeiro de 2011

Águas tristes...

Nosso blog divide com a população brasileira a tristeza desses últimos dias. Que os nossos governantes estudem criteriosamente áreas propícias para a moradia digna desse povo sofrido que constrói casas em áreas de risco por não terem outras opções.
 Os  nossos patrimônios culturais, como a Casa de Cora Coralina em Goiás não podem passar por constantes ameaças de inundações colocando em risco a história afetiva e literária desta sensível poeta.
Nosso planeta passa por um processo de hecatombe assustador, encontramo-nos numa espécie de novo circo romano, onde não só cristãos, mas, como todos aqueles que querem trazer contribuições de paz ao mundo, são diariamente jogados aos leões do mercado.
O cosumismo exarcebado que faz da China uma produtora de mercadorias e do restante do mundo produtores de "necessidades" pode fatalmente comprometer o desenvolvimento equilibrado das próximas gerações.

Juliana Gobbe

Aos desorganizados dirigentes da Atenas antiga, o filósofo Sócrates disse certa vez: Para a justiça prevalecer, é preciso tornar os reis filósofos e os filósofos reis. Os sofistas do marketing de hoje em dia oferecem uma fórmula análoga ainda que menos nobre: para o capitalismo de consumo prevalecer, é preciso tornar as crianças consumidores e tornar os consumidores crianças.
Benjamin R. Barber

Dica de leitura: Consumido (Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos).
Autor: Benjamin R. Barber.
Editora: Record.


domingo, 9 de janeiro de 2011

PALAVRA DE PAJÉ


A Ala Jovem abre espaço para a cultura indígena através de entrevista concedida pelo Pajé Guaíra no evento Revelando entre Serras que termina hoje em Atibaia.

O pajé  Guaíra nasceu na aldeia do Bananal que fica entre Peruíbe e Itanhaém no estado de São Paulo, sua iniciação deu-se desde pequeno, pois já se interessava pelos mistérios da natureza, plantas e curas espirituais. Ele nos contou que só algumas pessoas tem o dom espiritual concedido por Nhanderu ( Deus), não é qualquer um que pode ser um pajé.                    
                                                                                              Foto: Gilberto Sant'Anna
AJ- O que faz um pajé?
PG- Os portugueses quando descobriram o Brasil ficaram intrigados com aqueles velhinhos que faziam curas e rezas e eram até então conhecidos como feiticeiros. O pajé tem grande responsabilidade pela espiritualidade dos integrantes de sua aldeia.Todo o meu conhecimento se dá através de sonhos, recebendo orientações e revelações de Nhanderu ( Deus), sobre qual remédio devo usar para a cura de determinadas doenças. Tudo o que quero conseguir, obtenho com a prática de mentalizações.
                                                                                          Foto: Gilberto Sant'Anna
 
AJ- Qual é o papel do cacique na aldeia?
PG- O cacique trabalha diretamente com a comunidade, resolve os problemas de organização dentro da aldeia.
AJ- Fale um pouquinho sobre a cultura dos índios?
PG-A nossa cultura nasce, cresce e morre pela natureza, os mais velhos vão passando conhecimentos aos mais jovens através da sua sabedoria “oral”. A nossa comida é natural, comemos carnes de caça, pesca e muitos legumes e frutas.
                                                                                           Foto: Gilberto Sant'Anna

AJ-As pessoas da tribo utilizam a língua portuguesa para se comunicarem?
PG-Na tribo tem uma escola, mistura-se o tupi e a língua portuguesa, a cultura indígena está se perdendo, conseguimos uma escola diferenciada, para preservar também a nossa língua.
AJ-O senhor já leu algum livro?
PG-Leio um pouquinho de cada.
AJ-Qual é a influência do homem branco na vida de vocês?
PG-O índio tem que saber viver com os brancos, os brancos ensinam coisas boas e ruins, levam bebidas alcoólicas quando vão nos visitar, eu proíbo a entrada delas na aldeia.
AJ- Qual é o papel da mulher na aldeia?
PG-A mulher deve cuidar dos filhos, quando quer ir embora vai, mas, se afasta da nossa cultura.
AJ-Uma mensagem para o homem branco:
PG:Peço aos amigos em geral, para que eles ajudem o branco entender  que nós queremos ser uma civilização sadia, os índios estão acabando e isso é muito ruim, há muita mistura, peço que os homens pensem um pouco  mais na cultura do índio.
                                                                                           Foto: Gilberto Sant'Anna

O processo de aculturação irreversível ao qual  os índios brasileiros são submetidos é fruto de uma sociedade niilista que pretende a qualquer custo universalizar tudo e todos.O nosso capitalismo pós-moderno ou hipermoderno ,como queiram , desparticulariza culturas seculares em nome do DEUS MERCADO.
Estive em 2.009 no Mato Grosso do Sul, e, constatei a terrível situação  vivenciada pelos índios dos arredores da cidade de Dourados, vi muitas vezes índias e até mesmo crianças totalmente embriagadas, aldeias inteiras catequizadas pelos brancos, e, infelizmente adormecidas em seus mais puros e preciosos instintos.
A resistência heróica do Pajé Guaíra conservando tradições importantíssimas para o bem estar do seu povo é um grande exemplo a ser seguido.

“Guarda nos olhos tua floresta, Curumim, que o homem branco já vem te ensinar o significado da palavra Fim.”


DICAS:
Leitura musical:  CD- Kangwaá – Cantando para Nhanderu.
Livro:  A guerra dos Tamoios  / Autor: Aylton Quintiliano


Abraços,
Juliana Gobbe