quarta-feira, 28 de março de 2012

O Brasil sem Millôr


A literatura  perde hoje uma das inteligências mais fulgurantes do país. Millôr Fernandes dentre muitas coisas fundou o famoso Pasquim. O artista desenhou e satirizou a cena brasileira como poucos. Também ficou muito conhecido por suas traduções impecáveis da obra de Shakespeare.

Abraços,
Juliana Gobbe

sábado, 17 de março de 2012

Literaturanossa



O sarau Literatura Nossa é realizado pela Associação Cultural Literatura no Brasil para fortalecer e incentivar a literatura na periferia de Suzano.
Onde: Ponto de Cultura Círculo das Letras: Rua Bandeirantes, 606. Jardim Revista. Suzano – SP
Quando: terceira sexta-feira do mês, às 19h30
Quanto: gratuito
Informações: (11) 4752-3996

Abraços,

Juliana Gobbe

sábado, 10 de março de 2012

Clarice...O primeiro beijo



Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:

- Sim, já beijei antes uma mulher.

- Quem era ela? perguntou com dor.

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.

E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.

A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.

E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.

Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.

O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.

Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.

E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.

Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.

Ele a havia beijado.

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.

Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...

Ele se tornara homem.

Clarice Lispector

(In "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998


Abraços,

Juliana Gobbe

segunda-feira, 5 de março de 2012

Simplesmente Cooperifa



Em outubro de 2001, os poetas Sérgio Vaz e Marco Pezão organizaram, num bar de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, o primeiro Sarau da Cooperifa.
Quase ninguém soube, quase ninguém viu --e durante um bom tempo foi assim. Dez anos depois, e desde 2003 em outro endereço, um boteco no Jardim Guarujá, zona sul da capital, o encontro poético é um acontecimento da periferia paulistana.
Fundador da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), Vaz, sete livros publicados, criou filhotes do sarau.
Fez a Semana de Arte Moderna da Periferia, a Mostra Cultural da Cooperifa, a Poesia no Ar (balões soltos com versos), a Chuva de Livros, o Cinema na Laje, o Ajoelhaço (em que homens pedem perdão às mulheres) etc.
E o sarau irradiou poesia pelas bordas da cidade.
Há pelo menos 50 encontros do tipo em São Paulo, a maior parte na periferia. Dos saraus surgiram escritores elogiados --como o próprio Vaz, Binho e Sacolinha-- e um nicho editorial.

Marlene Bergamo/Folhapress
Sérgio Vaz (centro) e Cocão (de boné) no Sarau da Cooperifa
Sérgio Vaz (centro) e Cocão (de boné) no Sarau da Cooperifa
Saíram da periferia iniciativas como as Edições Toró, de Allan da Rosa, e o Selo Povo, de Ferréz --que não faz sarau, mas os elogia e vai a muitos lançar seus livros. Até uma editora tradicional, a Global, criou um selo de literatura periférica.
O movimento das franjas ganhou o respeito do centro, "do outro lado da ponte".
"Estamos no meio de uma revolução. A poesia, que até o século passado era vista como arte de elite, está mudando de dono e de classe social, indo para a periferia. É a coisa mais importante da literatura brasileira hoje", diz o poeta Frederico Barbosa, diretor da Casa das Rosas, que abriga saraus na avenida Paulista, organizados com o auxílio de Marco Pezão.
A professora da UFRJ Heloisa Buarque de Hollanda vê essa cena como um renascimento "dos velhos saraus de salão do século 19" transfigurados, um "rito de passagem entre o privado e o público".
A onda poética periférica se junta a um bom momento para a poesia no mercado editorial. Novas coleções são lançadas e poetas inéditos chegam ao país.
Esta edição voltada ao verso destaca ainda o novo livro de Francisco Alvim, novas expressões poéticas em meios não impressos e a obra do crítico americano David Orr, que discute o significado de ler poesia hoje.O Cooperifa acontece em um local que durante o dia funciona um bar e toda quarta a noite se transforma num palco improvisado e se reúnem desde donas de casa a estudantes junto com cervejas e o famoso escondidinho... gritos de liberdade, desabafos de trabalhador, declarações de amor... ali uma pessoa comum sobe no palco e vira uma estrela, lava sua alma e divide suas alegrias, revoltas e dores com o público, é simplesmente lindo...

Fábio Victor

Abraços,

Juliana Gobbe